Qualquer coisa além de nada
Caminhando entre carniças, encontrei um lindo girassol que me garantiu, tudo irá ficar pior. O último sonho foi engolido numa caçamba e os pneus dos últimos carros queimados ainda ardiam quando desceram morro abaixo em direção à casa construída com restos de papelão. Lamentei pelo tempo de um suspiro, porque o ar pesado de algum metal, disse o rádio, é contraindicado aos pulmões que ainda se expandem e contraem.
Nas manhãs de segunda ninguém acredita mais em minhas histórias e não os culpo. Eu também não acredito. São horas perdidas, tempo perdido em uma avalanche de boas intenções. O sol se põe e se vai há séculos e nós ainda procuramos novidades no mundo. Nascemos e morremos exatamente da mesma maneira e sofremos pela mesma razão desde que o primeiro de nós balbuciou alguma palavra e nos ensinou aquilo que viria a ser a dor.
Deus abençoa, Deus pragueja. Enquanto procuramos uma versão acolhedora que ao menos nos permita viver. O que você quer que eu diga? O que quer eu escreva? Sou capaz de oferecer minha alma em uma bandeja pela paz de um mundo à espera da próxima bomba atômica. Seus dentes cravados em minha perna buscam alguma reação, mas, desculpe, querida, hoje eu sou incapaz de oferecer qualquer coisa além de nada.